Matéria do Globo diz que pedido para investigar David Almeida está no TJAM há mais de um ano
Ação que mira viagem do prefeito de Manaus com empresários já foi redistribuída cinco vezes; A matéria diz Justiça amazonense tem histórico similar em casos contra governador e ex-secretários

Há mais de um ano, o Ministério Público do Amazonas (MPAM) aguarda autorização do Tribunal de Justiça do estado (TJAM) para investigar o prefeito de Manaus, David Almeida (Avante). Em 16 de setembro de 2024, a Promotoria protocolou o pedido para apurar indícios de ilegalidade nas relações do político com empresários que mantêm contratos com a administração municipal. Como prefeitos têm direito a foro privilegiado, a apuração só pode ser aberta com aval de um desembargador relator. Desde então, o processo foi redistribuído pelo menos cinco vezes a diferentes magistrados — mas nenhum aceitou assumir o caso.
A reportagem de O Globo diz que o caso não é isolado,uma vez que no Amazonas, investigações contra autoridades arrastam-se com recorrência nos tribunais. Um processo contra o governador Wilson Lima (União Brasil) por suspeita de adquirir ventiladores superfaturados na pandemia de Covid-19 já completou quatro anos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sem sentença. Ações contra dois ex-secretários estaduais seguem sem desfecho por períodos similares.
No pedido atual de investigação contra David Almeida, dois dos magistrados sorteados declararam-se suspeitos por motivos de foro íntimo. Um deles, Jorge Manoel Lopes Lins, foi escolhido duas vezes, mas declinou em ambas. O outro, Ernesto Anselmo Queiroz Chíxaro, afirmou-se suspeito em outubro de 2024, mas só encaminhou o processo para redistribuição sete meses depois — período em que o caso permaneceu paralisado.
Em nota, o TJAM informou que a demora deveu-se à “migração do sistema processual anterior para o atual sistema eletrônico Projudi”. Depois, o pedido ainda foi parar no gabinete de uma magistrada de Câmara Cível antes de chegar à desembargadora Vânia Marques Marinho, que está com o processo atualmente. Como o Judiciário amazonense ainda não decidiu se autoriza a apuração, o Ministério Público tampouco pode recorrer a instâncias superiores, como o STJ, para abrir a investigação.
No pedido encaminhado ao TJAM, o MP solicita autorização para apurar duas viagens de David Almeida ao Caribe nos carnavais de 2024 e 2025. Em uma delas, a primeira-dama de Manaus, Izabelle Fontenelle, chegou a ser filmada dançando numa festa regada a champanhe no Nikki Beach Saint Barth, clube de alto padrão na ilha de São Martinho. No vídeo, aparecem ainda empresários com contratos milionários junto à prefeitura.
Em 2024, David Almeida e a esposa viajaram em um jato particular do empresário Roberto de Souza Lopes, com histórico de vários contratos com a gestão municipal, acompanhados de outros empresários e secretários estaduais. Na ocasião, Lopes afirmou, por nota, não haver ilegalidade ou imoralidade em viajar, no feriado de carnaval, com um amigo — no caso, o prefeito.
O MPAM também quer investigar vínculos de parentes do prefeito com fornecedoras da prefeitura. Entre novembro de 2023 a abril de 2024, a Rio Piorini, vencedora de licitações milionárias, firmou contrato de prestação de assessoria empresarial e outros serviços com Lidiane Oliveira Fontenelle, sogra de David Almeida. Os pagamentos mensais de cerca de R$ 20 mil foram feitos à microempresa LOF Fênix, de propriedade de Lidiane. A Promotoria mira indícios dos crimes de corrupção passiva, fraude em licitação e peculato por parte do prefeito.
Não é a primeira vez, no entanto, que uma investigação do MPAM contra o prefeito esbarra no Judiciário do Amazonas. Em janeiro de 2021, promotores do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) solicitaram, durante o plantão judiciário, a prisão e o afastamento de David Almeida, investigado por suposta participação em um esquema de “fura-fila” da vacina contra a Covid-19. A Promotoria suspeitava que integrantes do primeiro escalão da prefeitura teriam sido imunizados fora da ordem de prioridade.
Dois dias depois, o desembargador plantonista José Hamilton Saraiva dos Santos declarou-se incompetente para analisar o caso e o remeteu à Justiça Federal, sob o argumento de que os recursos usados na compra das vacinas eram federais e de que a apuração envolvia possíveis irregularidades no Plano Nacional de Imunização. A medida foi criticada publicamente pelo MP, que divulgou nota afirmando que adotaria medidas para reparar “a total ilegalidade da decisão proferida pelo atual desembargador plantonista, que, no início do expediente forense normal do dia 26 de janeiro de 2021, deveria ter encaminhado o pleito criminal à distribuição e sorteio de um desembargador relator”.
Nos meses seguintes, a Justiça Federal também se declarou incompetente para conduzir o caso, que acabou encaminhado ao STJ. Em maio, o ministro Felix Fischer determinou que a ação deveria tramitar na Justiça Estadual. Cinco meses depois, já de volta ao TJAM, o processo foi arquivado por decisão monocrática da desembargadora Maria das Graças Pessoa Figueiredo.
Já a ação contra o governador Wilson Lima (União Brasil) pelos crimes de dispensa irregular de licitação, fraude a procedimento licitatório, peculato e organização criminosa arrasta-se no STJ desde setembro de 2021. Ele é réu por suspeita de adquirir respiradores superfaturados e “sem capacidade de atender pacientes graves acometidos pela Covid-19”, diz o Ministério Público Federal (MPF). Enquanto o processo aguarda desfecho, Lima foi reeleito e já caminha para concluir o segundo mandato. Atualmente, o caso — que também tem como réus o vice-governador Carlos Alberto Filho e outras 12 pessoas, entre ex-secretários, servidores e empresários — está no gabinete do ministro Francisco Falcão, aguardando sentença.
O Globo ressalta que escândalos envolvendo ex-secretários também correm há mais de quatro anos. Em abril último, o ex-secretário de Segurança Louismar Bonates tornou-se réu na Justiça Federal por ter autorizado uma operação que resultou em oito mortes e abusos contra ribeirinhos e indígenas às margens do Rio Abacaxis, em agosto de 2020. Para o MPF, a ação teria sido motivada por vingança após o assassinato de dois policiais na região dias antes. Contudo, passadas só duas semanas do recebimento da denúncia, o juiz Thadeu José Piragibe Afonso trancou o processo, após a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) determinar que o caso deveria ser suspenso até que se decidisse se Bonates tem direito a foro privilegiado.
Como, em março deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou que a prerrogativa de foro para crimes cometidos no exercício do cargo pode persistir após a saída da função, o colegiado ainda avalia se Bonates enquadra-se no entendimento. Enquanto isso, o processo segue parado.
Já a ação contra o ex-secretário de Inteligência Samir Garzedim Freire, réu desde agosto de 2021 por suspeita de desviar cargas de ouro, permanece sem sentença até hoje. De acordo com o MPAM, Freire “viabilizava o uso da secretaria para a prática criminosa, tanto em relação à estrutura física e de pessoal quanto por meio da autorização de falsas operações”. As investigações apontam que ele e subordinados desviaram cerca de 60 quilos de ouro apreendidos em ações policiais — o equivalente a R$ 18 milhões. O processo, que tramita sob sigilo na 2ª Vara Criminal de Manaus, tramita com Freire em liberdade.
Em nota, o TJAM pontuou que o pedido de investigação do MP contra o prefeito David Almeida “encontra-se em trâmite regular, com os atos sendo praticados dentro das atribuições do Poder Judiciário”. Segundo o tribunal, a petição do MP solicitava “decretação de sigilo absoluto, sem qualquer indicação de pessoa investigada naquele momento”.
O MPAM informou apenas que “tomou conhecimento das denúncias e adotou todas as providências cabíveis dentro de suas atribuições legais”. Já a prefeitura alegou que “todas as viagens pessoais do prefeito David Almeida são custeadas com recursos próprios, de forma particular e em conformidade com a legislação vigente”. Na nota, o órgão “reafirma sua confiança nas instituições, em especial no Ministério Público e no Poder Judiciário, e reitera seu compromisso com a transparência e a legalidade em todas as suas ações”.
(O Globo publicou reportagem de Alexandre Hisayasu,que é da repórter da Rede Amazônica afiliada da Rede Globo no Amazonas)
Segue notas na íntegra:
Tribunal de Justiça do Amazonas
O Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) informa que o Procedimento Investigatório Criminal (PIC) mencionado encontra-se em trâmite regular, com os atos sendo praticados dentro das atribuições do Poder Judiciário.
O referido procedimento foi protocolado em 16/09/2024, com petição solicitando a decretação de Sigilo Absoluto, sem qualquer indicação de pessoa(s) investigada(s) naquele momento. O sigilo foi determinado em 23/09/2024.
Em 04/10/2024, houve averbação de suspeição do magistrado que inicialmente estava com o processo, o qual foi redistribuído em 07/10/2024 para o desembargador Anselmo Chíxaro. Nesse mesmo dia, o desembargador também averbou suspeição e determinou nova redistribuição. Ocorre que, à época, o Tribunal estava em fase de migração do sistema processual anterior para o atual sistema eletrônico Projudi, o que pode ter influenciado na demora da redistribuição. E por estar sob sigilo absoluto, apenas os profissionais devidamente cadastrados nos autos têm acesso à movimentação processual.
Após observar que o processo ainda permanecia vinculado ao seu gabinete, o desembargador determinou, em abril deste ano, o cumprimento da decisão anterior, com a redistribuição dos autos. Outros três magistrados chegaram a ser sorteados, porém, foram determinadas novas redistribuições — para desembargador de área criminal e por averbações de suspeição — até que, em 03 de junho de 2025, o processo foi sorteado para a desembargadora Vânia Marques Marinho, que atualmente conduz o feito.
Em agosto de 2025, o Ministério Público requereu o desmembramento do PIC em mais sete procedimentos, totalizando oito processos (o principal e sete apensos). A atual relatora acolheu o pedido e todos já foram desmembrados, com os integrantes do MP indicados pelo órgão ministerial devidamente cadastrados para acesso aos autos.
Por fim, no último dia 9, após o saneamento dos processos, o Ministério Público apresentou pedido de autorização para instauração dos PIC’s, o qual será encaminhado à desembargadora-relatora para análise.
Prefeitura de Manaus
A Prefeitura de Manaus informa que todas as viagens pessoais do prefeito David Almeida são custeadas com recursos próprios, de forma particular e em conformidade com a legislação vigente. O mesmo se aplica a eventuais contratações profissionais envolvendo familiares ou empresas privadas, realizadas dentro dos parâmetros legais.
Todos os documentos e comprovantes relacionados às investigações mencionadas já foram encaminhados ao Tribunal de Contas do Estado do Amazonas e permanecem integralmente à disposição dos órgãos de controle e demais autoridades competentes.
A Prefeitura de Manaus reafirma sua confiança nas instituições, em especial no Ministério Público e no Poder Judiciário, e reitera seu compromisso com a transparência e a legalidade em todas as suas ações.
Ministério Público do Amazonas
O MP-AM informa que tomou conhecimento das denúncias e adotou todas as providências cabíveis dentro de suas atribuições legais.
O pedido de investigação criminal foi encaminhado ao Tribunal de Justiça do Amazonas.
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