Paulinho da Força diz que ‘PL da Dosimetria’ beneficiará Bolsonaro, mas sem afrontar o STF

Paulinho da Força diz que ‘PL da Dosimetria’ beneficiará Bolsonaro, mas sem afrontar o STF
Relator afirma que projeto reduzirá pena dos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, mas anistia ‘ampla, geral e irrestrita’ está ‘liquidada’
O deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP) afirmou nesta sexta-feira, 19, que a anistia “ampla, geral e irrestrita” aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 está “liquidada”. “O projeto que estamos tratando é para reduzir penas”, disse em entrevista à Rádio Eldorado, do Grupo Estado.
Paulinho da Força declarou que a redução de penas vai “beneficiar todos”, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 27 anos e 3 meses de pena privativa de liberdade por liderar uma tentativa de golpe. “Se vai reduzir para que o Bolsonaro seja liberado, aí é outra coisa”, afirmou Paulinho, relator do projeto.
Segundo Paulinho, “liberar todos” os envolvidos nos atos golpistas era um “sonho” dos bolsonaristas, mas não será possível. “Não estamos mais tratando de anistia ampla, geral e irrestrita”, disse o parlamentar. Segundo o relator, a redução de penas é uma alternativa que não entra em confronto com o STF, que já declarou o perdão a crimes contra o Estado Democrático de Direito como inconstitucional. “Não vou fazer projeto para afrontar o Supremo Tribunal Federal.”
Para Paulinho da Força, a discussão sobre anistia ao 8 de Janeiro “paralisou o País e o Congresso”. E o projeto de lei da dosimetria, como passou a ser chamado, poderá “pacificar” o Brasil e permitir ao Congresso retomar a discussão problemas do “mundo real”.
O relator afirmou que pretende definir os parâmetros da proposta a partir da semana que vem, após consulta aos líderes de todas as bancadas da Câmara.
O parlamentar debateu o teor do projeto na noite desta quinta-feira, 18, com Michel Temer (MDB), Aécio Neves (PSDB-MG) e Hugo Motta (Republicanos-PB). Segundo ele, Temer conversou com o decano do STF, Gilmar Mendes, e com o relator das ações penais da trama golpista, Alexandre de Moraes, mas os ministros não participaram do encontro, nem virtualmente.
Para o relator, a anuência do Supremo quanto ao teor do texto é importante, mas não configura um acordo político com a Corte. “Não queremos fazer um acordo com o Supremo. O que nós queremos é que o Supremo esteja de acordo. A conversa do Michel Temer com eles foi um pouco nesse sentido”, afirmou o parlamentar.
O deputado federal pretende finalizar o relatório do projeto até quarta-feira, 24. O PL da Dosimetria tramita na Câmara em regime de urgência. Segundo o Regimento da Casa, essa modalidade dispensa etapas de apreciação a um projeto de lei, acelerando a análise do texto. Além de “pular” fases, o projeto urgente “fura a fila” da pauta do plenário.
Qual é o seu ponto de partida para esse projeto de anistia? O que é negociável e o que não é?
Nós não estamos mais tratando de anistia ampla, geral e restrita. A anistia ampla, geral e restrita foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, e eu não vou fazer nenhum projeto que confronte a Câmara com o Supremo. Nós estamos tratando de dose. Então, o projeto que eu quero apelidar novamente aqui de projeto dosimetria, é isso. Nós vamos tratar da quantidade de penas, aliás, do valor das penas ali que foi aplicado a cada uma das pessoas. É ideia que a gente está trabalhando. Preciso agora, a partir de segunda-feira, ouvir cada um dos líderes do Congresso, cada uma das bancadas do Congresso para decidir qual é essa dose, quais são as leis que serão colocadas nesse projeto.
Sobre a reunião que o senhor teve ontem com Michel Temer, Aécio Neves e Hugo Motta, quais ministros do Supremo estavam nessa reunião?
Eles não participaram da reunião. O presidente Michel Temer, até por ser uma pessoa que tem bastante relação com todo o Supremo também, falou com o ministro Gilmar Mendes. Ele falou por telefone com o ministro Gilmar Mendes e, depois, falou com o ministro Alexandre de Moraes, sobre a possibilidade de que o Supremo também pudesse entrar nessa discussão. O que as pessoas mais me perguntam, desde ontem, quando fui indicado relator pelo presidente Hugo Motta, é: ‘O Supremo vai concordar com isso, será que eles vão aceitar isso?’ Então, fica uma dúvida na cabeça das pessoas, de que o Congresso vai votar um projeto para reduzir as penas e o Supremo não vai aceitar. Vocês sabem, eu tenho 19 anos como deputado, eu tenho uma relação com vários membros do STF e acho que, inclusive, a minha indicação para a relatoria do projeto deu uma certa tranquilidade aos ministros do Supremo. Eu não vou fazer nenhum projeto para afrontar o Supremo Tribunal Federal. Agora, acho que essa discussão seria importante, porque eu estou trabalhando com a ideia de que a gente possa fazer um projeto para pacificar o Brasil, para acabar com essa polêmica que tem hoje entre extrema direita e extrema esquerda que paralisou o País, paralisou o Congresso. Então, nós precisaríamos voltar para os problemas reais do Brasil. Está lá parada a PEC da Segurança Pública, está lá parado o projeto do Imposto de Renda, que interessa a milhões de brasileiros e trabalhadores, especialmente, que é a minha área, e esse projeto não anda exatamente porque nós estamos nessa discussão.
Quando o senhor fala que não vai bater de frente com o Supremo, não há um risco de bater de frente com o bolsonarismo no Congresso Nacional, particularmente na Câmara?
Eu acho que, de certa maneira, a grande maioria dos bolsonaristas sabe que o sonho era liberar todo mundo. Mas desde a hora que a gente aprovou a urgência de um outro projeto, fica meio claro que a anistia geral e restrita está liquidada e que nós vamos para um outro caminho. Pelo menos os líderes do PL sabem disso. Podem não estar concordando, mas sabem que o mundo ideal não existe mais, e que vai existir, então, um meio termo, uma coisa que possa agradar a maioria das pessoas. Nem Jesus Cristo agradou a todos, não sou eu que vou querer agradar a todo mundo. Eu vou procurar fazer aqui um relatório, um projeto que possa agradar à maioria das pessoas. Vou conversar tanto com a extrema esquerda quanto com a extrema direita. Tenho falado com líderes do PT, tenho falado com líderes do PL, tenho falado com os líderes do centro, que é onde, de certa maneira, sustenta essa ideia principal. E conversar com as bancadas a partir da semana que vem. Eu falei com o Sóstenes Cavalcante (líder do PL na Câmara), terei uma reunião com o PL na semana que vem, estou falando com os líderes do PT, falei ontem com o Odair Cunha (PT-MG), estou procurando o Lindbergh (Farias, líder do PT na Câmara), que parece que teve uma cirurgia ontem. Para que a gente possa ter uma reunião também com o PT, vou fazer reunião com outros partidos, para a gente discutir exatamente isso. Ou seja, para tentar pacificar a Câmara, pacificar o Brasil e que a gente possa pensar no mundo real.
O que os próprios ministros do Supremo dizem, inclusive o ministro Gilmar Mendes, é que o Supremo não faz negociação política e não faz acordo. O que significa isso? É um discurso para o público geral e um comportamento diferente nos bastidores?
Não sei. O Gilmar é a pessoa que hoje mais tem relação com a Câmara. Com certeza, a que mais tem relação com o Congresso. É uma pessoa tranquila que, normalmente, entra para resolver os problemas. E acho que ele, com certeza, vai poder ajudar muito nisso, pela experiência que tem, pela relação que tem com todo o Congresso Nacional. Nós também não queremos fazer um acordo com o Supremo. O que nós queremos é que o Supremo esteja de acordo. A conversa do Michel Temer com eles foi um pouco nesse sentido. Acho que vale para acabar com essa onda que você mesmo estava falando agora, de que a Câmara vai fazer, o Senado vai fazer, mas Supremo vai barrar, que alguns ficam imaginando.
Como o senhor pretende evitar um destaque da ala bolsonarista do Congresso que beneficie Jair Bolsonaro e desmoralize a costura política do Congresso? Por exemplo, pretende visitar Bolsonaro para fazer algum tipo de alinhamento?
Não, eu não vou visitar o Bolsonaro, não. Até porque, para isso, teria que pedir para o Supremo. O Supremo é que libera quem vai visitar ele ou não. Mas eu não vou, não pretendo ter uma conversa com ele. Eu falei ontem com o Flávio Bolsonaro, por exemplo, falei com o Rogério Marinho, que são líderes, apenas me colocando à disposição para dialogar, para conversar sobre o projeto. Não tive nenhuma conversa mais profunda com eles
Eles garantiram não ter nenhum risco desse destaque?
Não, não teve esse tipo de diálogo, não. Só disse para eles que estou à disposição para conversar, para que a gente possa alinhar um projeto, ou a favor ou contra, mas pelo menos colocar à disposição deles para que a gente possa dialogar. Só isso. Além disso, não teve mais nada.
O senhor está chamando de projeto da dosimetria, não mais da anistia. Entraria uma prisão domiciliar nesse projeto?
Esse projeto vai beneficiar todo mundo, viu? Não estou fazendo um projeto para tirar isso ou tirar aquilo. A ideia do projeto é reduzir a pena de todos. A quantidade de redução da pena é que talvez não beneficie todos.
Inclusive do núcleo crucial?
Inclusive, Bolsonaro será beneficiado com isso. Vai reduzir a pena que foi imputada ao Bolsonaro, com certeza vai ser reduzida. Então, beneficia todo mundo. Se vai reduzir para que o Bolsonaro seja liberado, aí é outra discussão. E terá entendimento para isso. Essa discussão vai ser feita a partir de segunda-feira, à noite, no Congresso, para que a gente possa chegar a uma situação e que eu possa finalizar esse relatório até quarta-feira.
O senhor tem ideia de parâmetros que vão ser adotados para definir essas novas penas? Isso já está claro?
Não, não está. Nós vamos falar com cada uma das bancadas. Porque eu sei que vai vir gente dizendo: ‘Tem que por essa lei aqui, tem que reduzir essa, que vai beneficiar o Bolsonaro’. Então, tem que ser uma média do que temos na Câmara dos Deputados. É isso que nós vamos fazer na medida que a gente reúne as bancadas e vai ouvindo cada um dos deputados que estão naquela bancada.
Se houvesse a redução de pena nessa proporção para o Bolsonaro, por exemplo, isso poderia caracterizar, na prática, uma anistia ao Bolsonaro.
Não sei se é isso que se chama de anistia. A anistia seria você liberar todo mundo, liberar geral, como foi lá em 1979 (Lei da Anistia da ditadura militar).
Isso é anistia formal. Estou falando de uma anistia na prática.
Então, mas o Bolsonaro tem 27 anos, né? Então, nós não vamos fazer um projeto que vai chegar a 27 anos. Vai chegar, ali no corpo, está certo? Uma parte da pena dele vai ser reduzida. E com certeza vai beneficiar a maioria das pessoas que estão presas. Aí sim, você tem a Débora do Batom lá, que teve 14 anos, será beneficiada e será reduzida a pena dela, e ela vai estar numa outra realidade a partir da aprovação da lei.
O senhor pretende, por exemplo, diferenciar quem foi lá no 8 de Janeiro de quem mandou ir?
Essa discussão também vai ter que ser feita com cada uma das bancadas de cada um dos líderes da Câmara. Imagino que quem fez atentado à democracia, atentado ao Estado Democrático de Direito, não será beneficiado. Acho que esse entendimento, eu estou aqui falando pelos outros já, né? Esse entendimento tem que ser o entendimento da maioria da Casa. Não vai ser a opinião de um deputado ou de outro deputado que vai guiar o projeto. Vai ser a opinião média da casa, que a gente pretende adotar a partir de segunda-feira.
E a sua expectativa é votar mesmo na semana que vem esse projeto?
Eu acho que quanto mais rápido a gente votar, mais rápido vamos pacificar o País. A ideia é que a gente pacifique essa história. Nós estamos aí paralisados. É isso que eu estou trabalhando para a gente fazer. Eu imagino que se nós fizéssemos uma espécie de pacto entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, a gente pacificaria definitivamente o nosso País. É isso que eu estou sonhando em realizar com esse projeto. E acho que esse é o desejo de muita gente do Brasil. Que a gente possa realmente discutir os problemas do Brasil. Então, eu vou trabalhar para que a gente possa votar na quarta. Não sei se consigo ouvir todo mundo, porque se você vai ouvir uma bancada, vai ser uma reunião de duas, três horas ali. Então, não dá para você fazer dez reuniões no dia. Talvez eu precise de terça e quarta, e aí a gente teria que votar na outra semana.
A matéria original é do jornal Estadão publicada na versão online e está acessível pelo link a seguir: