Julgamento no STF de oficiais da alta patente é marco histórico para a democracia
Segundo especialistas, a Corte pode definir não apenas o futuro dos acusados de tentativa de golpe de Estado, mas os limites de atuação das Forças Armadas

Pela primeira vez na história do Brasil, um ex-presidente da República e oficiais generais de quatro estrelas respondem a uma denúncia formal por crimes relacionados a uma tentativa de ruptura institucional. Além de Jair Bolsonaro (PL), outros sete réus integrantes do chamado “núcleo 1” da trama golpista serão julgados a partir de amanhã no Supremo Tribunal Federal (STF), sendo cinco deles militares de alta patente.
Durante seu governo, Bolsonaro espalhou militares nos Três Poderes da República, o que pode explicar o fato de integrantes das Forças Armadas estarem em todos os 4 núcleos da investigação. Entre os acusados estão generais, almirantes, coronéis, tenentes-coronéis, majores, subtenentes — parte deles pertencente ao grupo de elite do Exército conhecido como “kids pretos”. Onze militares acusados fazem parte do núcleo 3, responsável por planejar ações táticas e pressionar o alto comando das Forças para que aderissem à trama golpista para manter Bolsonaro no poder após sua derrota nas eleições de 2022.
Para o cientista político Jorge Chaloub, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a dimensão simbólica é clara. “É um marco inédito esse julgamento de militares de alta patente no Brasil. Temos uma tradição de protagonismo das Forças Armadas em golpes de Estado e uma longa tradição de que os protagonistas desses movimentos não sejam responsabilizados”, explica. A seu ver, o que se inaugura no Supremo é a ruptura de um padrão histórico de impunidade militar que atravessou mais de um século.
Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), os denunciados teriam praticado golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, associação criminosa armada, dano qualificado pela violência contra o patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.
Chaloub lembra que, desde a proclamação da República, em 1889, os militares arrogaram-se o papel de “poder moderador” herdado da monarquia. “Ao reivindicar para si a prerrogativa de decidir quais governos eram legítimos ou não, as Forças Armadas derrubaram presidentes eleitos, tentaram impedir posses — como em 1955 — e, em 1964, impuseram uma ditadura de duas décadas”, contextualiza. Embora sempre houvesse diversidade interna, com nacionalistas e cosmopolitas disputando espaço nos quartéis, prevaleceu uma tradição autoritária, reforçada pelos expurgos de dissidentes após 1964.
O professor faz ainda uma comparação entre 1964 e 2023. “Na ditadura, construiu-se uma coalizão muito mais ampla de apoio ao golpe. Em 2023, havia atores relevantes defendendo a ruptura, mas em número socialmente minoritário. O 8 de janeiro e os planos golpistas nasceram de grupos mais desorganizados e de lideranças de baixa patente, ainda que com respaldo de figuras próximas a Bolsonaro”, observa.
O especialista destaca que o bolsonarismo atualizou essa tradição autoritária com traços próprios. “Bolsonaro sempre defendeu a ruptura democrática e mobilizou segmentos da baixa classe média com linguagem próxima ao fascismo. Ao mesmo tempo, recorria à retórica de que os militares deveriam exercer um papel de poder moderador, invocando até o artigo 142 da Constituição.”
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