‘Todos ignoram o custo da inação diante da crise climática’, diz CEO da COP30

Ana Toni, diretora-executiva da conferência, diz que o preço da inércia recai sobre indivíduos e orçamento público, ao pregar financiamentos específicos e maior engajamento de pessoas e setor privado
Como diretora-executiva da COP30, Ana Toni tem repetido em diversos fóruns mundo afora que mobilizar US$ 1,3 trilhão para o combate da crise climática é do interesse de todos os países e não só daqueles em desenvolvimento.
“Está todo mundo ignorando o custo da inação”, diz ela, lembrando que o preço está sendo pago pelos indivíduos que sofrem as consequências de eventos climáticos extremos, como enchentes no Rio Grande do Sul e incêndios em Los Angeles.
A economista que assumiu a secretaria nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente em março 2023 defende que a 30ª conferência do clima a ser realizada em Belém, seja a COP da implementação e de ações concretas, mesmo diante da crise do multilateralismo e da saída dos EUA do Acordo de Paris.
A seguir, trechos da entrevista publicada na Folha de São Paulo em que ela falou também dos problemas de Belém para abrigar a conferência e da exploração de petróleo no Amazonas.
O financiamento climático insuficiente está no centro do debate da COP30. Que perspectivas temos nessa seara?
Como queremos fazer uma COP da implementação é vital recursos financeiros. Nas outras COPs, o tema era os grandes, o US$ 1.3 trilhão. Esperamos nessa COP falar de financiamento de uma maneira mais granular. Financiamento para reflorestamento, para renováveis, para adaptação.
Queremos trazer quem tem os instrumentos econômicos, os financiadores, as prefeituras, o setor privado para que esses projetos virem reais. O debate de financiamento estava muito no nível político e ainda está, mas percebo que agora é mais específico.
O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, fala de negacionismo econômico em relação à crise climática.
Não sei o que o André quis dizer, mas na minha perspectiva é que está todo mundo ignorando o custo da inação. Custo que está sendo pago pelos indivíduos que sofrem com enchentes ou seca, perdendo seus bens, e também pelas seguradoras e muito mais pelo Estado.
O custo da inação recai nos orçamentos públicos de países em desenvolvimento, como na tragédia no Rio Grande do Sul. É insustentável pagar o custo da inação.
Tem essa cegueira, porque investir na transição não é visto como investimento e poupança, em vez de gastar depois do desastre. Estamos ainda na gestão de desastres, em vez de fazer uma gestão de risco e prevenção.
Como isso está deteriorando a nossa capacidade de financiar desenvolvimento. É o mesmo recurso. O dinheiro de construir uma escola vai para a reconstrução pós-enchente.
Desastres como os corridos na Califórnia, na Espanha, no Rio Grande do Sul, no Pantanal podem pressionar por mais ações e recursos?
Certamente. Estamos pedindo para economistas nos ajudarem, trazendo o custo da inação. É muito grande, mas invisível. O desastre do Rio Grande do Sul custou R$ 100 bi. Quem pagou pelo que aconteceu em Los Angeles? Tem pessoas pagando com as próprias vidas. Foram mais de 3.000 mortes no ano passado.
Na Itália, uma lei agora obriga todo mundo a ter um seguro mínimo para desastres climáticos. Em outros países, tem seguros obrigatórios para a infraestrutura pública. Seguro é bem-vindo, mas encarece e tem que fazer parte de um pacote de mitigação e adaptação como prioridade.
Ecologia lá atrás era coisa de “ecochatos”. Como dialogar e engajar mais? Comecei nos anos 1990, quando a sociedades civil e os ambientalistas trouxeram de maneira contundente essa agenda. E acho que tivemos sucesso. Mas a gente percebeu que trazer o pânico não engaja.
O que engaja é falar mais de soluções. Mostrar que você, como indivíduo, consumidor, eleitor, mãe ou amiga, pode fazer diferença no seu dia a dia. Isso é tão importante quanto pressionar governos a fazerem o seu papel. A gente colocava o peso da mudança só nos governos federais e nas empresas, que são fundamentais, mas cada um de nós pode contribuir. Por isso, a chamada de um mutirão global que a COP30 tem feito, em vez de só apontar o dedo para os que não estão fazendo.
Chamar de mutirão é uma maneira de acolher e mostrar que é uma ação coletiva. Temos mais de 30 enviados especiais que falam com suas próprias bolhas, seja da agricultura, seja de direitos humanos, seja de mulheres. Essa governança da presidência da COP30 está muito porosa a esse mutirão. Temos trazido os círculos de ministros, de povos, do balanço ético global. É a primeira vez que se faz isso numa COP.
Como ser uma COP mais inclusiva diante do desafio de logística e os preços exorbitantes praticados em Belém?
Para participar do mutirão e do combate à mudança do clima, você não precisa ir para COPs. Você pode fazer muito do seu próprio território, da sua escola, do seu município. Quem quiser ir a Belém, seja sociedade civil, seja setor privado, tem que ser bem recebido.
Belém é uma cidade que nos representa muito bem. Tem, sim, problemas em termos de acomodação. O governo federal, o estadual e o municipal têm trabalhado juntos para ampliar o máximo possível as acomodações. Não será uma COP em que todo mundo vai ficar em hotéis 5 estrelas, mas será uma COP muito mais real. Com problemas de saneamento, energia, pobreza. Não iremos por duas semanas para um lugar blindado de vida real.
Mostrar as dificuldades reais, tanto da floresta amazônica quanto de Belém, vai nos inspirar a tomar decisões mais contundentes. Sabemos que a mudança do clima é o maior acelerador de pobreza e desigualdade. E vamos estar numa cidade que representa esses desafios, e os tomadores de decisão vão se lembrar disso.
Fico contente que o Brasil é um país que não esconde seus desafios em relação a desmatamento, a combustível fóssil ou à logística.
Como o debate climático dominado por questões ambientais, como garantir que o social esteja também no centro da agenda?
O debate climático é para muito além do clima. Ele é econômico, social e geopolítico. Uma das primeiras atitudes do governo Trump foi sair do Acordo Paris. Tem uma briga comercial com a China muito por causa de tecnologias de baixo carbono.
Obviamente, tem um limite do que trabalhar em clima para resolver desigualdades históricas. A mudança do clima se tornou um tema transversal. E as COPs se transformaram nesse lugar transversal, como se todos os problemas sociais e econômicos pudessem ser resolvidos ali. Infelizmente, não é o caso.
O que o Brasil quer comunicar ao mundo ao sediar a conferência no coração da floresta? A primeira mensagem é mostrar o potencial que temos em trabalharmos juntos pela preservação da natureza, que foi o que o presidente Lula disse quando convidou todos e todas para vir para o Brasil e decidiu que a COP seria na Amazônia. É nossa responsabilidade cuidar da Amazônia, mas precisamos que outros nos ajudem.
A matéria original é da Folha de São Paulo e pode ser acessada pelo link a seguir: